À margem do Congresso “Jardins do Mundo” que se realizou no Funchal nos passados dias 9-12 de Maio de 2007, o Portal do Jardim foi conversar com o Arquitecto Paisagista Gonçalo Ribeiro Telles. Uma personalidade incontornável do mundo do Jardim, dedicou toda uma vida à defesa dos valores da Terra e do Ambiente. Recebeu, no âmbito também deste congresso, uma merecida homenagem que partilhou com o filósofo Eduardo Lourenço (leia mais aqui).
Portal do Jardim (PdJ) – Qual é a sua primeira memória de um jardim?
Arq. Ribeiro Telles (RT) – A Av. da Liberdade, onde nasci.
PdJ – Enquanto jardim?
RT – Enquanto avenida… A avenida é um jardim.
PdJ – E que importância tinha para si?
RT – Era um sítio onde se passeava, onde se brincava. De certo modo um sítio aprazível com árvores.
PdJ – Sempre gostou do jardim num contexto urbano, correcto?
RT – O jardim é qualquer coisa que é independente do contexto urbano e é independente de outro contexto qualquer.
PdJ – O Arquitecto costuma dizer que «tudo é um jardim»…
RT – Tudo caminha para tal. A humanização da terra, do território, caminha evidentemente para uma paisagem bela, para uma paisagem equilibrada, portanto é um macrojardim. O que não quer dizer que um macrojardim não contenha depois microjardins, na acepção mais perfeita do termo, que é um microcosmos, uma paisagem ideal.
PdJ – Quando é que decidiu ser Arquitecto Paisagista?
RT – Encontros. Até como era uma matéria que não estava lançada no país, fui caminhando no sentido da agronomia, primeiro – e paralelamente tinha condições para arquitectura, portanto tinha dois caminhos a seguir. Segui o da agronomia, mas na agronomia encontrei os primeiros passos da arquitectura paisagista, num curso livre de arquitectura paisagista e foi assim, uma obra do acaso.
PdJ – Estabelece alguma ligação entre a sua vivência na infância da Avenidade da Liberdade e a sua escolha em enveredar pela sua área profissional?
RT – Não, não. [risos] Acho que não vale a pena tentar encontrar ligações dessa ordem.
PdJ – Não estabelece essa ligação entre a infância…
RT – Não. Eu demarquei a Avenida da Liberdade por que dela também fazem parte os quintais que existiam. Portanto, tanto bricávamos na Avenida da Liberdade como brincávamos nos quintais.
PdJ – Que resultado é que pensa que terá este desaparecimento progressivo dos quintais na vida das famílias?
RT – Há um regresso negativo. Como sabe, os quintais estão todos a ser transformados em garagens, em pavimentos impermeáveis e estão a desaparecer. Aí há um aspecto muito negativo para a cidade, para a cidade como habitat, como conforto e até como beleza. É trágico o que está a acontecer – a destruição sistemática do que era o verde integrado na própria cidade.
PdJ – Acha que a vivência dos jardins pode trazer felicidade?
RT – Tudo contribui. O que interessa é saber escolher e saber viver.
PdJ – Como é que vê a tendência dos municípios continuadamente cederem ao lobby do betão, ou da celulose?
RT – É uma falsa ideia de progresso, que de certo modo se criou da ideia de que o progresso era o volume construído. O choque da Revolução Industrial levou a que isso parecesse ser o progresso, quando isto é claro que não é progresso, é até retrocesso. Portanto estamos nessa época de transformações.
PdJ – Pensa que será um problema de falta de formação cívica por parte dos decisores? Acha que se trata de pressões externas?
RT – É as duas coisas juntas. Muitos estão convencidos que o futuro resulta de um artificialidade total da vida, de superficialidade e de uma maneira de viver que vem da facilidade dos fluxos energéticos para a vida humana, que está a acabar. Portanto temos que não andar para trás, temos é que recriar as condições da vida.
PdJ – Acha que esse é o caminho para inverter a situação…
RT – É recriar, não de ir para trás. Enfim, uma recriação é sempre uma criação que tem um sentido determinado e umas bases determinadas. Evidentemente que portanto é um reencontro com a Natureza, mas no sentido humanizado da Natureza, em que se inclui também, mas não só, os problemas da protecção do espaço, da produção do espaço. Nós vivemos de facto num sistema ecológico forte, que vive também de transformar esses espaços de protecção em espaços de recreio.
PdJ – Há hoje uma moda emergente, especialmente em França, de criar jardins verticais. Como vê esta opção arquitectónica?
RT – É mais um aspecto decorativo, que não resolve o assunto. É o mesmo que pegar numa fachada e revesti-la de azulejos, onde antes nada existia. Há um elemento fundamental a recriar nesta paisagem global do futuro, porque nós caminhamos para uma paisagem onde os dois sistemas, o natural e o artificial do abrigo, se vão conjugar e harmonizar. Nos diferentes espaços, em que muitas vezes é o contínuo o elemento construído e o residual é, digamos, o elemento verde, tem que haver uma interligação entre essas situações e as situações em que se dá o contrário, em que o elemento contínuo é o sistema natural e o elemento descontínuo é construído. É aí que está o grande jogo do planeamento moderno.
PdJ – Há hoje nitidamente um decréscimo no contacto entre jovens e a Natureza, as zonas rurais. Numa conferência recente, o Arq. Ribeiro Telles sugeriu que deveria haver subsídios para os jovens voltarem ao campo e às aldeias. Acha que é uma proposta viável?
RT – Subsídios não, mas sim capitalizar os jovens – que é diferente do subsídio.
PdJ – Um forma de conduzir os jovens…
RT – Não é para conduzir, é para fazer viver as aldeias, em que os jovens são fundamentais. A possibilidade de fazer viver as aldeias, não é com o turismo – que vem a seguir, é recuperando a agricultura de base local e de base regional. É essa de facto a que hoje está a ser muito necessária para o país e não a de competição a nível internacional. A recuperação da agricultura para espaço, para protecção. A agricultura não são fábricas, para apertar parafusos… A agricultura é um mundo que trabalha, que tem actividade no solo, solo esse que é um elemento da crosta terrestre de transição da parte geológica para a atmosfera, fundamental para toda a vida humana, e para toda a vida. Por isto é que houve a necessidade de criar reservas de protecção ao solo, que foram tão mal entendidas pelos técnicos, pelos municípios, pensando que eram obstáculos ao desenvolvimento quando eram de facto a garantia do desenvolvimento.
PdJ – É optimista quanto ao futuro, naquilo que diz respeito aos jardins e o modo como são vividos? Esses microcosmos…
RT – Nós partimos de uma natureza primordial, que é chamada de primeira natureza e o Homem transformou essa primeira natureza numa natureza mais bela, biologicamente mais activa, mais biodiversificada até, com a criação das orlas e portanto o problema é recriar esse sistema, porque senão não há vida. Portanto, quando se ouve estas campanhas constantes em nome do desenvolvimento até da liberdade das pessoas poderem fazer o que quiserem em qualquer lado… até técnicos juristas e economistas caíram nessa «arara» e arranjaram estes «trinta e um» tremendos que são os fogos florestais, a expansão urbana indiscriminada, que agora se vêem aflitos para resolver. “A solução” é a recriação, é novamente a intervenção para situações de modernidade de uma paisagem global que inclui os sistemas naturais, florestais e cultura e os sistemas de abrigo artificiais onde estão as construções.
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